Desenvolvendo para os extremos

Criando experiências que façam a diferença para grupos específicos

Vinícius Miraglia

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Não é segredo para ninguém que quanto mais conhecemos nosso público, maiores são as chances para criarmos soluções eficientes, impactando a maior quantidade possível de pessoas. Mas será que esse é o melhor caminho? Na minha opinião não.

Quando criamos experiências para a "maioria" (no universo de atuação de sua empresa ou produto), automaticamente estamos excluindo as particularidades que existem nos outros grupos, deixando de lado as necessidades especiais que cada um possa ter. Nesses casos, podem haver pontos críticos que impeçam a execução de determinadas tarefas ou a tornem simples demais ao ponto de serem irrelevantes.

Para evitar os pontos críticos, é necessário se aprofundar em cada caso e desenvolver produtos ou funcionalidades com foco em cada grupo, levando em consideração a quantidade de pessoas em sua base de usuários, o tempo de conquista e a relevância. Para isso, vamos entender um pouco mais sobre eles:

1. Explorador

O "explorador" é o perfil que está iniciando sua vida digital, tendo o primeiro contato com serviços que atendam necessidades básicas para o seu cotidiano, como: se comunicar, tirar fotos e se informar. Esse grupo geralmente não vê valor em investir em devices mais sofisticados e grandes pacotes de dados.

Como estão no estágio inicial ainda não se sentem seguros para navegar em alguns mares, como compras, pagamentos e assinaturas, preferindo permanecer em sua zona de conforto. A opinião de pessoas próximas são frequentemente solicitadas para executar algumas tarefas básicas ou tirar dúvidas.

Ao contrário do que se pensam, a maior parte da população mundial se encontra nesse estágio ou até mesmo antes dele. Segundo a ONU, 53% da população mundial nunca acessou a internet, ou seja, isso representa 3,9 bilhões de pessoas. Mas não pense que essas pessoas estão esquecidas, pelo contrário, o foco para se aproximar delas se intensifica a cada ano e empresas como Google e Facebook estão se dedicando para atrair essas pessoas para suas plataformas e soluções, com o programa "The next billion users".

Essas empresas encontram nesse público a oportunidade de crescimento em locais ainda não explorados e a chance de fidelizá-los desde o início. Já é possível observar experiências que se destacam nesse universo, como o YouTube Go, com a marca de mais de 10 milhões de downloads e o Messenger Lite, com 100 milhões. O sucesso de ambos se deve ao fato de focar no baixo consumo de dados e espaço ocupado na memória, além de funcionalidades específicas que potencializam o consumo de informações offline, como o download de vídeos para assistir quando estiver sem internet.

2. Consciente

Conforme a frequência do uso e a percepção de valor aumentam, novos horizontes surgem e com ela, uma nova realidade de uso para essas plataformas. Novos serviços são adicionadas ao catálogo de uso e funcionalidades básicas e inicialmente complicadas se tornam acessíveis e de fácil assimilação, como compras online, operações bancárias e serviços de streaming. Empresas como Instagram, Amazon e Uber começam a ser mensionadas e com isso, surgem os usuários "conscientes".

Esse já saiu do estágio "explorador" e consegue efetuar determinadas tarefas sem ajuda de outras pessoas. Em alguns casos, passam a influenciar digitalmente o grupo anterior. Além disso, sentem a necessidade de ter um device melhor do que o anterior, com mais recursos e espaço de armazenamento, junto a um pacote de dados não tão básico.

O "consciente" está em um momento de constante aprendizado por ter mais compreensão do que o mundo digital pode oferecer em relação ao "explorador "e começa a questionar determinados serviços ou produtos que possam ser simples demais ao ponto de não atendê-lo como antigamente. É fundamental identificar o momento em que os usuários atingem essa maturidade para guiá-los ao próximo nível de experiência, mostrando que sua solução pode executar muito mais do que ele imaginava. Se nesse instante não existir esse suporte, a chance de procurar outras opções no mercado se torna uma realidade.

3. Exigente

Esse é o grupo que toda empresa deseja conquistar, mas sem dúvidas, o mais difícil de reter e fidelizar. Sempre buscam novidades e conseguem influenciar toda a cadeia digital. Querem ser os primeiros a desfrutar de novos produtos e serviços que o mercado pode oferecer e são consumistas de devices topo de linha, sem contar os novos entrantes como os wearables.

Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube e Amazon não despertam mais seu interesse como anteriormente, pois já são considerados comuns ao seu dia-a-dia. São apenas ferramentas que atendem as suas necessidades básicas. O "exigente" está em busca de algo que fuja do conhecimento "popular" e que ele possa ser um dos primeiros a explorar e compartilha sua experiência com seu grupo de contato.

Ao identificar esse desejo, diversas empresas exploram esse potencial de consumo para gerar novas experiências com tecnologias experimentais. Nos últimos anos a empresa que mais conseguiu tirar proveito desse cenário foi a Apple. Desde o primeiro iPhone ela soube despertar a atenção desse público para o diferente. Atualmente muitos questionam os lançamentos e inovações da empresa de Cupertino, mas sem dúvidas, ela soube fidelizar os "exigentes" ao longo dos anos em seus produtos, serviços e funcionalidades como ninguém, se tornando uma das marcas mais admiradas do mundo.

Essa fórmula foi seguida por outras empresas, que conseguiram criar inovações em diversas categorias, tanto em produtos físicos quanto em plataformas digitais. Podemos citar alguns exemplos:

Tesla

A revolução dos carros elétricos.

Microsoft

Os videogames com um novo poder computacional.

Oculus

A realidade virtual em uma nova perspectiva.

Instagram

Um novo jeito de compartilhar a sua vida.

Google

Seu assistente virtual pessoal.

Esses são alguns dos vários exemplos que existem de projetos inicialmente voltados para o público "exigente". Nem sempre essas empresas foram as pioneiras nessas experiências, mas provavelmente foram as primeiras a executar com a excelência exigida por esse público. Sem dúvidas, esse território possui muitos desafios, mas é justamente nele que são iniciadas as grandes inovações que se popularizarão no futuro.

Se não existirem estratégias específicas para esse público, uma enorme brecha pode ser aberta para que outras empresas ocupem esse espaço. Muitas startups ganharam notoriedade por focarem em soluções que consigam despertar o interesse dos "exigentes", como: Snapchat, Nubank, Netflix e Airbnb. Todas atuaram em mercados já consolidados, com grandes empresas no comando, mas não se importaram com o status quo e criaram produtos ou serviços específicos, inicialmente, para esse público.

4. Público em transição

Entre os três estágios existem os pontos de transição. Ao identificar esses pontos, estímulos deverão ser criados para acelerar a passagem de um ponto ao outro de maneira natural e sem fricção. Conduzir o "explorador" a se tornar "exigente" dentro de sua base de usuários é peça chave para construir formadores de opinião e embaixadores naturais de sua marca.

É possível estimular a transição por aspectos financeiros, informacionais ou temporais. Um exemplo bem interessante é a estratégia adotada pelo Google para popularizar ao máximo a sua linha Home. Em 2016 deu início a estratégia de vender suas caixas de som inteligentes, o Google Home, vendido por US$ 129. Em 2017 aumentou a linha com o Home Max, custando US$ 399 e o Home Mini por US$ 49. Esses produtos são focados nos "exigentes", mas é possível observar que o Mini é justamente direcionado ao público que está no período de transição entre o "consciente" e o "exigente", que ao receber um estímulo financeiro pode tomar a decisão de experimentar esse produto.

Conclusão

Todos os públicos são fundamentais quando pensamos em criar novas experiências, independente de ser um produto ou serviço. Ninguém quer ser tratado da mesma maneira, pelo contrário, as pessoas querem que suas individualidades sejam levadas em consideração. Hoje com tantos dados e informações que conseguimos obter dos usuários é extremamente plausível personalizar as experiências para o perfil, momento e estágio, potencializando as necessidade de cada um.

Normalmente quando recebemos a missão de criar algo novo, a premissa básica é que seja uma experiência para a maioria, ou seja, que atinja mais de 50% da base de clientes. Sem dúvidas é uma preocupação importante, mas quanto mais desenvolvermos soluções para os "conscientes", menos amparados estarão os "exploradores" e os "exigentes", mas você pode estar se perguntando…qual o problema de criar para o maioria?

O foco na maioria traz a vantagem da quantidade de pessoas que terão contato com a solução, mas gera traumas nos extremos, forçando os "exploradores" a executarem tarefas que ainda não estão preparadas, despertando dificuldades e criando barreiras desnecessárias no momento. Para a outra ponta, os "exigentes", a experiência parecerá simplista e pouco inovadora, despertando os olhares para outros players no mercado que possam oferecer algo novo.

Se as empresas não abrirem os olhos para cada extremo e continuarem focando na maioria, nada vai mudar e novos entrantes no mesmo mercado se farão necessários para que a inovação aconteça. Sempre existirá alguém insatisfeito com seu produto ou serviço e por isso, sua experiência nunca estará finalizando, dando espaço para a melhoria por período indeterminado. Pense na excelência em cada estágio e guie seu usuário no caminho evolutivo dentro de sua solução para que em todos os momentos ele se sinta satisfeito.

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